27 de fevereiro de 2023

Aprendi faz pouco tempo a começar a separar o que é dos nossos pais e o que é nosso, que não somos responsáveis pelas decisões e vida que eles levam. Foram 31 anos para aprender isso. Foram 31 anos se desiludido e amando essas pessoas tão humanas quanto jamais me permiti ser.

Meu pai me deixou essa semana. Mais uma vez. Dessa vez sem volta.
É difícil pensar sobre o assunto. É difícil por em palavras o que parece que a mente anestesiada as vezes embarca na disassociação, as vezes se joga de cabeça no precipício da piedade. 
Quero recordar os bons momentos. Quero lembrar do gosto da comida, da risada de dentes retos ou daquela quando ficava sem graça com algo. Quero lembrar da gratidão de ter construído e possibilitado o que temos e de que toda vez que eu começar a surtar você tão nervoso quanto eu falar "não adianta se preocupar". De quando fechava os olhos encostado no sofá e deixava o sono vir. Que que estava sempre perfumado e cheirava a confianca. Quero lembrar da pessoa que nunca aceitou ficar onde não se sentia bem, onde não estava feliz. Mesmo que a primeira vez que tenha feito isso tenha sido conosco. Quero recordar dos raros abraços, das escassas declarações. Mas havia um café com leite todo dia as 16h. Frango diariamente no almoço porque era o que eu comia. E nos ultimos anos uma pergunta atenta esperando de fato minha opinião e mesmo relutando, e não admitindo, aceitando meu parecer. Quero recordar até daquela pergunta preocupada de que se eu tinha conseguido dormir no hospital enquanto você lutava pela vida. Porque por mais que não houvesse palavras e grandes demonstrações sua vida era cuidar dos outros e nunca se permitir ser cuidado e acredito que foi por isso que agora partiu.
Assim, quero perdoar qualquer mágoa ou vestígio de constrangimento que possa ter existido nesses muitos anos. Toda vez que não me senti suficiente ou que quis me mudar pra te agradar. Quero arrancar a fogo toda sensação de não ter sido perfeita  para ter feito você ficar quando era pequena, mesmo que nem eu mesma entendesse que sentia isso. De que não fui forte agora para pedir que ficasse a todo custo que eu aguentaria o tranco que viesse. Por ter deixado você ir e agora não saber lidar de novo com sua falta.
Aparentemente você quebrou o coração de 3 mulheres, haviam 3 viúvas no salão. Mas no decorrer dessas 3 décadas você quebrou e consertou meu coração tantas vezes.
Fui sua filha, mãe, secretária pessoal, faz tudo. Atenta a cada necessidade, a cada sentimento. Me afastando ou aproximando dependendo do contexto. Implorando atenção e as vezes a invisibilidade. 
De forma resumida pai, você foi um marido mediano, um pai maravilhoso e um avô excepcional. Mas além de qualquer título foi um homem inteligentissimo com pouco estudo e completa destreza. Um indivíduo rígido nos próprios conceitos morais e uma presença única com que te conhecia. Você brigou com tantos, mandou a merda outros tantos e todos eles choravam sua rápida partida. Você era justo e sem paciência. Você tentava melhorar e talvez ao conseguir tenha completado seu papel aqui.
Seu netos disseram que você agora é um estrelinha, o engraçado é que sempre realmente norteou minha vida.
Estou a um tempo tentando recordar quem sou eu de verdade e com você partindo a sensação é que estou sem bússola, mas que também posso ir para qualquer lugar. 
Implorei ao Santos e anjos de luz para te receberem, para te confortável e terem paciência contigo. Como sempre, estou preocupada se você vai se sentir bem, se vai estar feliz. Por favor fique bem, fique feliz. 
Eu te perdou por tudo pai, inclusive por me deixar agora. Eu sou grata pai, inclusive por ter voltado para mim uma vez e ter mostrado que eu não era o problema. Sou grata por bem mais coisas do que posso enumerar e por entender nesse segundo a possibilidade de continuar nessa vida sempre sendo sua filha, mesmo que não te vendo todo dia, mesmo não esperando seu aval, mesmo sendo só eu.



13 de janeiro de 2023

Você não dorme direito a dias. Agora começou com a dermatite. Se fechou a dias no seu mundo e a solidão me consome. Não consigo falar contigo porque tenho medo que tenha mais uma crise. Mas parece que a qualquer momento vai ter mais uma e não sei como fazer você enxergar o que está fazendo consigo mesmo. Escuto você julgando sua família a oito anos e está fazendo o que? E isso me dói,  porque a sensação é de que fui enganada de que viveria de uma forma difere da deles e está repetindo o mesmo padrão. Porque o tempo todo seu pai trabalhou pra ele e por vocês. Você está se matando pela empresa de quem? Está construindo o que com isso? Só  estou vendo o tempo passar e somando problemas. E está esperando o que para enxergar a sua volta?

Eu não aguento mais ficar com medo de você ter uma crise e não aguento mais toda hora bater na mesma parede. Só quero que entenda que existe outras possibilidades, outros modos de chegar seja lá onde você quer chegar, porque nem mais isso eu entendo, o que você quer ou espera. E não entender seu futuro me assusta porque eu não quero sentir isso para nós. Estou com a garganta presa a dias, desculpa se escrevo, mas se eu não por para fora isso vai nos matar e sinceramente agora parece que você nem se importa.

segundo erro

2 de outubro de 2022

Já faz o triplo da idade que tinha quando tudo começou. A menina de 10 anos completamente sozinha ainda está deitada na cama achando que a solidão e o abandono é a única coisa que vai conhecer na vida. De um conto de fadas que ela achava fazer parte se viu só com a realidade de repente. A realidade tem doença, tem separação, tem ela escutando no recreio sobre a separação dos pais de outra pessoa. O que essas pessoas achariam se soubesse que os dela também se separaram? Essa cena as vezes repassa na minha mente ao acaso. As pessoas dizem dos outros. Não quero que falem sobre mim. Carregar um corpo grande já é peso demais.

Surpresa, a doença bateu a porta. Todos falam que é psicológico. Mas dói. Eu já nem sei mais se o que eu senti era real ou não. Não tenho a menor ideia pois para me proteger eu criei outro mundo.
Primeiro foram histórias de outros. Descobrir os livros me manteve viva. Descobrir que poderia criar histórias me deu forças para se desconectar do meu espaço e ir para ele.
Ali eu tinha controle.
Minha saúde enfim melhorou, mas eu estava sozinha na sociedade.  Dois anos e muito tempo. O mundo real é um lugar perigoso. Eu de novo no real. Completamente sozinha achando que algo errado era comigo. Eu tinha culpa de não ter controle. Eu vi demônios demais. Era o corpo errado, a saúde errada, as pessoas erradas. Eu já sentia como uma boneca quebrada. 
Mas há outras escolas, outros cenários. De repente eram cenários. Disassociar me mantém no controle.
Eu conheci pessoas reais, mas minha segurança pessoal é frágil, não me acho boa o suficiente para estar com eles. Então, de repente, a Internet. Há pessoas que criam histórias como eu. Há pessoas lá fora que vêem livros e perguntam "e se?" e escrevem sobre isso. Há pessoas por trás desses personagens que também têm histórias. Eu quero histórias. Preciso de histórias. Não sou nada sem elas.
O problema foi perceber que só os personagens não abasteciam a solidão. As conexões com esses iguais, os autores das marionetes, era bem mais complexos e satisfatórios. Eu não sou suficiente. Mas os personagens podem ser. Eles são interessantes, eles tem enredo, eles não são abandonados.
Mas ele ferem. E aquilo virou grande demais. E aquilo ainda dói. Dói porque eu aprendi que sempre precisamos nos redimir. Dói porque tudo que aprendi foi a me culpar por cada segundo da minha existência. Dói porque eu nunca consegui pedir desculpas e reparar o mal que fiz.
Eu não sei o peso que esses fantasmas criaram nessa vidas que eu toquei. Eu sei o peso que eu levo a mais de 15 anos por isso. Eu não tenho justificativa para a garota sozinha que achou assim uma companhia. Porque solidão não é desculpa para você brincar com vidas alheias.
Eu continuo sozinha agora. Não consigo me aproximar de pessoas e nem me afastar de outras. Levo comigo alguns fantasmas. 3 garotos que nem lembro mais o nome. Lembro do rosto de quem conheceu eles no entanto. Lembro de sentir a mágoa direcionada para mim e entender. Lembro de querer pedir perdão, mas temer a represália. Não tangível, mas a solidão. Senti a solidão do mesmo jeito. 
Hoje carrego a mea culpa como um peso extra que as vezes sussurra no meu ouvido.  Tampar as orelhas no entanto é ineficaz.  Mas se eu me desfazer do peso e do barulho também parece errado, porque eu não corrigi, não reparei, não me desculpei. Mas é errado tocar nesse assunto também. Revisar as dores de quem toquei pode ser pior e aliviar minha consciência parece muito pouco resultado ante tocar nas feridas dos outros e eles sangrarem de novo. Eles não tem que sangrar para eu me sentir melhor.
Eu só quero colocar essa mala no chão. Apenas alguns segundos. Quero perdoar a criança que fez tudo que fez. Quero dizer para ela que esse segundo erro da vida não pode ser corrigido. Não pode ser reparado. O tempo não volta e por mais que eu queira muito, mais que muita coisa, não ter errado, já foi. E agora quero, já que não posso e não devo pedir desculpas as almas que toquei, pedir desculpas a essa menina que carrega esse e outros pesos desde então. Está pesado, coloque um pouco no chão. Esse peso não vai sumir, mas vezes ou outra ele só camufla nos outros pesos da bagagem. Outras ele berra forte. Você não tem que lidar sozinha com esses pesos desses erros. Marque ele, entenda ele, não cometa eles de novo, mas deixe o maior peso dele para trás. Você consegue? Consegue desapegar dos seus erros da mesma forma que desapegou de si mesmo por tanto tempo?

não é sobre um hamburguer

23 de setembro de 2022

Vou começar pelo ponto óbvio,  esse texto não é sobre um hambúrguer. Sim, esse amontoado de pão, queijo e salada fez as lágrimas saírem ao ver que era o de carne que estava ali. Mas com certeza não é sobre o hambúrguer. 

Decidir sair do plano alimentar e pedir um hambúrguer foi quase como um alcoolatra sentar na mesa do bar após um dia ruim e pedir uma caninha. Eu só queria depois de uma dia muito extenuante a alegria de algo facilmente gostoso. Adivinha, por mais que já desconfiasse no decorrer das 24 horas, o destino não estava muito a favor do meu planejamento. Toma aí amigo, novamente, fora do seu controle, lide com isso. Não lidei.
O ponto forte era realmente não querer lidar mais. Não resolver. Não por em ordem. Não ser a pessoa que faz as coisas funcionarem. Não dar de toda minha força mental nas ações sendo que nunca dependem exclusivamente de mim. 
Escutei umas três vezes do meu marido "mas eles só erraram o pedido". É,  isso eu entendi. Mas adivinha,  não era sobre o hambúrguer. E quanto mais focava em que se não fosse eu a resolver nada aconteceria, mesmo em uma coisa banal como um pedido errado de hambúrguer a sensação de angústia piorou.
Há pessoas que resolvem e as que pedem para que se resolva para elas. De repente, não era nem sobre eu já não ter forças para me manter em pé ao fim desse dia. Eu estava ali e ninguém resolveria nada para mim.
Óbvio que ele tentou, mas as vezes o tudo que a pessoa pode te dar não vai suprir o que lhe convém. Ele não vai se indispor, não vai reclamar, não vai tumultuar. Não, acertividade é vista como exagero, como errado por pessoas como ele. Sente, fique frustrado, fale mal pra si mesmo e espere. É exagerado causar sobre um pedido errado, afinal é só um pedido errado. Mas decididamente não era sobre o hambúrguer.
Quando, depois de as lágrimas terem deixado mais leve a carga que carreguei durante o dia, eu me deixei sentir a fome e sair do meu casulo, encontrei ele estressado, cansado e fechado. Quando pessoas como ele se fecham no mau humor diário eu preciso ser compreensiva e apenas lidar. Quando sou eu em crise viro a pessoa problemática e cansativa que se estressou por um hambúrguer. A pessoa sozinha que ninguém entende o humor. Alguém complicada demais para se dar o trabalho de desvendar. Alguém sozinha. Em dois, e sozinha.
Eis que a problemática do cansaço de, mesmo não estando bem, ter que resolver tudo para todos se tornou entre muitas coisas, coisas que nem sei nomear. Se tornou perguntas, se tornou alarmes. 
O entregador de outro lugar chegou com o pedido duas horas e meia depois. Essa é a forma dele resolver. Levanto, me sento e como sem sentir o gosto para simplesmente não causar mais conflito do que já existiu. Há um mundo aqui dentro em ebulição, nem sei se ele se importa, está cansado demais na sua própria bolha. Acabou a noite com ele me vendo comer um hambúrguer sem ser de carne. . 
Hoje enquanto levantei e segui o rumo das minhas responsabilidades vi uma sombra sozinha caminhando com carga demais. Deixei apenas uma ou duas lagrimas caírem e segui para meu dia decidida a por palavras no papel para sairem de mim, afinal, o problema é que esse texto nunca foi sobre um hambúrguer.

sobre terapia e um copo de açúcar

13 de setembro de 2022

Toquei em assuntos delicados demais sem relar neles. Tentei fugir como faço bem. A fuga atualmente cai em um outro assunto que escapei por tempo demais.

Parece que desde que comecei a abrir a caixa de pandora tudo escapou de uma vez só e o consciente pede correção monetária.
Eu crio significado de tudo ou repente tudo tem sentido? Parece filosófico demais até mesmo pensar isso.
Penso que assuntos focais precisam ser tratados então sei que preciso continuar. Preciso ver se isso vai me libertar ou afogar de vez. Terapia é uma sessão de 30 minutos que repercute 10050 minutos restantes. Eu depois de anos pisando em ovos e mostrando apenas as verdades que queria que vissem, _ ou seja, mentiras ou ocultações da verdade, dependendo do locutor - tenho um panorama claro demais quando decido ver o que deixei de dizer e ver durante tanto tempo. A claridade, no entanto, as vezes trás o reflexo de tampar os olhos. Luz demais incomoda. O escuro também.
Eu continuo falando em metáforas porque não posso dizer claramente o que dói ou é apenas como o meu eu lírico utiliza para se expressar?
Conforta por no papel, na tela, no branco. Então por hora deve bastar. 
Mexi no vespeiro e recorro a um copo de água com açúcar. Já tomou? Tem um gosto terrível. Só acredito que acalme quando é outra pessoa que te oferece. Não pela glicemia, mas pelo cuidado. Tome isso, vai melhorar. Tome isso, estou aqui preocupada o suficiente para te dar um copo com duas colheres de açúcar para que se sinta melhor. Estou aqui. 
O copo de açúcar não vem. Se ninguém vê você desabar, ninguém vem a seu socorro. Estou aqui tentando fazer esse papel então. Levanto, respiro, pego um copo de água e duas colheres de açúcar. O gosto é terrível, mas pelo menos estou tentando tomar.


abandono

12 de setembro de 2022

Passei dois dias acompanhada a todo instante, passei dois dias me sentindo totalmente sozinha.

Houve esforço para levantar, esforço para se manter em pé. Parece que tenho que me esforçar a todo instante e assumir esse papel de estar presente. Todos esperam que eu esteja bem. Se eu não estiver bem eu vou ficar sozinha. Eu finjo bem, eu continuo sozinha.
Não sei que palavras disse de errado. Não sei o que errei em agir, em expressar, em falar. Repito mil vezes todas as interações e diálogos. Completo com uma imagem extra corpórea avaliando cada modo de agir. É cansativo estar perto de pessoas. É cansativo estar sozinha comigo.
Tem dias que a energia se esvai. Tem dias que volto a memórias que racionalmente eu sei que eu só eu tenho. Um ritual de "mea culpa" como chibatadas nas minhas costas. É por ser assim que não vejo ninguém? É por ser assim que realmente ninguém me vê?
A baixa energia é um repelente de pessoas. A toxidade é interpretativa. Será que solto falas mortíferas do mesmo jeito das que me atingem desprenciosamente?
Quis apagar momentos dolorosos e constrangedores. Apaguei tudo em volta. Hoje tento me recordar, resgatar qualquer vestígio de quem eu era para conseguir desvendar quem eu sou.
As frases aqui não se conectam. Tente ser simples. Quero por no papel pois assim saí de mim e a cabeça para para respirar. Onde quero chegar? Eu não sei. Parece que caminho dois passos e volto três. Quero me impor e ao mesmo tempo pedir desculpas. Quero chegar botando o pé na porta e logo em seguida pedir licença. Quero dizer não e logo em seguida me oferecer para o que pedirem. Estou cansada, cansada demais. Cansada de estar perdida, procurar saídas e de repente se recusar a cruzar a porta. 
Escuto uma criança gritar não me abandone. Já abandonaram. Vai lá, volte a dormir agora e levante amanhã mais forte.

uma visita ao endócrino

29 de agosto de 2022

Meu pulso está acelerado. Sinto minha respiração pesada. Fui infernal o dia inteiro  impaciente e impiedosa. O número no visor me chama, não é um rosto conhecido que me recebe. Mas ele carrega consigo partes de todos os carrascos que eu já conheci.

Antes mesmo de eu passar pela porta eu já sinto o pavor me correr as veias.
O que te trás até aqui? Um discurso ensaiado na mente sem diálogo esbarra na mente desde que sabia que viria. Palavras soltas que sozinhas não se completam por não existirem até saírem de lábios alheios.
Na minha crença infantil eu busco por apoio. Busco por soluções. Busco por alguma diferença, uma surpresa e um ouvir.
Sem novidades tenho o mesmo procedimento. O mesmo anotar no papel com a rispidez de desfazer de qualquer argumento. 
Me fecho no exato segundo que me vejo novamente ali na frente de uma balança. Como em mitologias passadas balanças tem muito significado, para mim só foi uma medida berrante de quão errada estou. O quão culpada. O quão presa.
Discursos motivacionais e evoluções de aceitação caem por terra. Minha luta ainda arde na pele, mas naquele segundo a dor interna é muito pior. Fico surda a todo avanço, só vejo aqueles números cravarem a sentença.
Escuto mais uma vez que o preciso fazer. Anule seu desejo, vivência ou história. Mais um exame banal, mais uma falta de resposta, mais passos seguindo para fora.
Os batimentos vão voltando ao normal enquanto as lágrimas correm escondidas pelo vidro fumê.
Quem chora ali é a criança que escutou se ela ia estourar, se ela não sentia vergonha de estar daquele tamanho.
Aquela criança não chorou. Ela fingiu que nada a atingia. Hoje a mulher adulta é soterrada no simples olhar.
Amanhã eu revisto minha armadura e continuo em frente. Busco nova esperança, nova relação de aceitação e imploro um pingo de bem querer. Por hoje me deixe lamber feridas, sentir se essas lágrimas conseguem me tirar um pouco do peso. Não do corpo, visto na vitrine, mas da alma, esquecida no porão. 

6 corações

24 de agosto de 2022

Eu nunca acreditei no amor romântico. Sempre achei que era uma paixão fadada ao fracasso por sua rápida fluidez. Algo tão bem inventado nos contos de fada que fazia legiões de pessoas buscarem algo inalcançável. Tipo ser feliz 24 horas por dia. Ainda não acredito na felicidade perpétua.

Perdoe-me o ceticismo, é apenas uma voz de segurança instalada. Pessoas perfeccionistas tendem a evitar o erro, então, quando vêem outros errarem tendem a não seguir o mesmo caminho.  O que faltam frisar é o entendimento de que o erro dos outros são só deles, e as vezes nem são erros, só aprendizado.

Mas não acreditar não significa que ele não aconteça quando está distraído.

Elriolt era um personagem e no meio dos jogos de imaginação eu conheci sua cabeça. Tão heróico, amável e puro quanto seu personagem. Agora 15 anos depois não sei se a imagem que carrego se faz real ou se era a projeção de uma menina quebrada que por medo de sentir - qual realmente sentiu forte demais por um dia - quebrou um coração. Não acreditava no amor e se ele não existia, era só um espaço tempo para me machucar mais, ainda mais a 987 quilômetros. Meu único pedido de desculpas aqui presente, que no clichê mais malfadado pude afirmar “o problema não é você, sou eu”.

Como em um mundo pairado nas histórias, meu segundo coração me chamou de Pandora. Foi assim que me apresentei sem nunca me apresentar. Ele brilhava demais em um mundo real que nunca me encantou. Mas o que via era muito raso perto da dimensão que é ser alguém e ele tinha os próprios caminhos e lutas a trilhar. Não sei quanto tempo durou, sei apenas que o medo de não ser suficiente me fez nunca sentir o gosto de um beijo em um show de rock pop dos anos dois mil e bolinha.  

Como um choque de realidade em personagens juvenis meu terceiro coração foi tão remédio quanto veneno. Fui entrega de corpo, mas não de alma. E o fato de não sair do meu mundo interno fechado e me fazer de bandeja foi motivo para eu virar um porta retrato atirado do 13° andar. Tal homem quis que carregasse esse fardo sozinha, mas da imagem distorcida no espelho já tinha carga demais para uma ainda recém vista mulher segurar e hoje eu só vejo o tempo demais que dei contra o de menos que me julgou oferecer.

Considerando a armadura envolvida no terceiro coração o quarto foi só uma imagem. É o único que não posso se quer encontrar. O idealismo de Platão que nunca soube da minha existência. O que não pode ser visto não pode ser julgado. Um rosto para imaginação. Algo tão tolo que só aparece aqui pela certeza de que se tivesse me aproximado nem se quer me lembraria mais agora dez anos depois.

Meu quinto coração é um erro ao som de Charlie Brown. Paixão desmedida e avassaladora. O ápice da razão apagada pela paixão. Foi conhecer alguém e nunca se mostrar. Foi não admitir estar repetindo os erros dos outros a ponto de nunca ser coragem para querer mais que alguns momentos roubados. Roubo parece a melhor definição. Roubei momentos de alguém. Mas todo roubo tem alguém lesado e nesse caso fui só eu. Fui pele, fui olhares, fui mãos dadas escondidas. Do esconderijo só me restou memórias que prefiro não tomar.

Meu sexto coração é gigante e já bate a quase oito anos. Era para ser brincadeira e virou aventura de vida. Uma resposta a uma prece que fiz sozinha no quarto trancado. Bem longe da perfeição encontra-se na rotina desafio e alimento em igual proporção. É ir além da paixão, do final do faz de conta. É como se após as cortinas abaixassem os bastidores criassem vida. E há vida, há amizade, há risadas e também defeitos. Eles brilham em neon por que no dia a dia criamos expectativas pesadas demais para outros ou nós vestirmos. Há certeza de mais tempo, de mais um dia. De novas fases e busca de encantos onde se faz o café coado.

Da descrença do amor eu me consumi em 6 crenças até então. Cada qual me levou onde estou pois não impediu que seguisse adiante, não como barreira ou algema, mas como sensação quente que sinto aquecer meus membros quando vou dormir.  Da energia recarregada em um abraço e do gosto de uma provocação desmedida sem medo de retaliação. Por mais que as inseguranças existam e sejam cachorros enormes, ele ainda escolhe me dar apoio.

Ando agora de mãos dadas seguindo meu caminho, já tão mais crente, pois no segundo que entendi que algo só acaba por que um dia existiu.  Não dar o nome a eles ou o crédito não impede de isso ter feito parte e queimado no meu peito quando se fez real, até mesmo quando nem se concretizou. De certa forma, é como se o único poema que sei de cor assinasse essa obra, que seja infinito enquanto dure. E duraram, duraram o suficiente para que eu pudesse acreditar. Não nos contos de fada, mas no que faz se faz o mundo continuar buscando, seguindo, procurando e, o Universo queira, achando por tempo suficiente para se fazer infinito.

asas no tênis

18 de agosto de 2022

Hoje eu não cedi a mim mesma. Eu explico, hoje eu voei.

Eu sempre caiu em metáforas, mas de forma clara eu corri. Poderia já falar que não foi uma corrida perfeita, não, fora a primeira volta nada saiu como o planejado. Mas eu corri. Você entende?
Cinco mil passos que eu poderia usar com desculpa não ter companhia. Cinco mil passos que o tornozelo doendo não foi uma mentira, mas também não foi justificativa. Cinco mil passos com medos no caminho, com reticências e com percepções externas. Cinco mil passos com fone embolado, blusa amarrada no meio do caminho e cadarço solto sem nó. Cinco mil passos que agora são suor escorrendo quente no meu rosto e no sorriso de ter conseguido. Sozinha e conseguido. Com medo e conseguido. 
Que cale se a voz comparativa na minha cabeça das grandes conquistas. Salve anjo caído, por um breve segundo, foram mais que cinco mil passos, foram asas.

Metaforicamente uma carta

10 de agosto de 2022


São só algumas palavras desconexas (e no primeiro parágrafo eu já me critico antes que outro o faça), mas quero tentar. O doce conjunto de palavras foi a forma que encontrou para visualizar um mundo além da sua forte dor, foi o encanto pelo que elas podiam criar que te deu força muitas vezes, e você precisava dela, dessa forca extra e está tudo bem.
Recorro a elas para agora fazer isso novamente. Não como o bote salva vidas, mas para te tirar do barco no fundo do oceano que te prendi.
Eu lembro de você chorando no quarto sozinha. Não sei sua idade, nem a ordem cronológica de todas as vezes que vieram depois disso. Mas me lembro de todas as vezes ter medo dessa sensação. Não de o que me fez chorar, mas de ser fraca por me importar a ponto de chorar.
Então sim, recordo do quente das lágrimas sobre a colcha, da angústia da garganta fechando, de achar que não valia a pena continuar. E toda vez que penso nisso sinto o mesmo desespero forte, não pelo que estava sofrendo, que em cada fase se misturou  em motivos que bloqueei, mas pelo sofrimento em si, de ser que nem elas.
Sempre achei essa minha maior fraqueza, o fato de sentir e ver e sentir novamente. Mas faz uma semana que a frase " a melancolia também pode ser bonita" fica vindo e voltando da minha cabeça. Eu sempre quis a beleza.
Óbvio que estou mexendo em um vespeiro de picadas doloridas, mas a necessidade de acreditar que o desconforto é passageiro novamente me consola.
Na realidade eu queria interferir no espaço tempo por um segundo e te pedir desculpas por todas as vezes que te cobrei demais, muito além do que conseguia lidar no momento. 
Eu sei que a eu de daqui a alguns anos deve querer fazer isso também com essa que te escreve hoje. Mas um passo de cada vez criança.
Hoje eu queria ser piedosa contigo. E você vai odiar essa palavra mais que tudo, ela é metade dos seus problemas. Há uma camada inteira na máscara que veste apenas para proteger seu ego. Então você não quer piedade, mesmo que isso significasse que pegariam mais leve contigo. Você só acreditou por muito tempo que só seria mais fácil se gostassem e acreditassem no que viam. Mas sinta ela em toda essência, eu sinto muito por você. 
Aí nesse segundo você colocou um ar auto suficiente no rosto e bradou a sete ventos "vejam, eu estou ótima, não há motivo para isso". Você não estava. Você não está.
Confessar isso ainda pesa. Mas fica mais fácil com o passar do tempo. Então é esse pequeno e leve e frágil "mais fácil" que gostaria que enxergasse.
Não é muita coisa, eu admito, mas alcancei algumas vitórias em te mostrar alguns segundos a luz do dia. Te protegi tanto e tantas vezes que você ficou ali presa, sozinha, assustada. O barco afundou, mas você estava segura no quarto.
Eu venho tentado mergulhar nesse oceano a algum tempo para te resgatar. Mas na verdade a falta de ar sempre me faz ficar na margem.
Se eu te tirar daí, será que estará inteira para nadar comigo? Será que vai apenas me afundar mais do que as bóias pesadas que carrego nos pés?
Metáforas também são melancólicas. Elas facilitam o que quero dizer que pela força prática e direta eu não saberia. Vamos tentar: doeu, doeu muito e agora eu não sei se quer o motivo de tantas dores e nisso eu te condenei com o veredito de sofrer por qualquer coisa.
Desculpe, desculpe, mais metáforas. Mas não há forma mais objetiva do que falar em julgamento nesse caso. Eu te julguei, condenei e te prendi. 
Mas já são muitos anos e assassinos cruéis já estariam soltos nesse tempo, mas não você. Você ainda está no fundo do mar esperando ser solta, mas sem soltar um pio, é orgulhosa demais para pedir ajuda. E eu orgulhosa demais para te aceitar.
Hoje enquanto escrevia vejo que esse seu forte ímpeto de proteger sua imagem, sua vulnerabilidade, acabou por te tornar com  ar arrogante. Adivinha o que acontece com pessoas assim? Mais solidão. Desculpe trazer mais críticas, é o costume. 
Sabe qual a grande miséria de um auto crítico cruel consigo mesmo? Não há escapatória. Enquanto tento pegar mais leve e falar que está tudo bem ser como foi, em ter agido como ágil e vivido como viveu uma parte de mim berra que é uma grande balela. É parabéns, você está aí presa e agora vai acabar com todas nós.
É cruel. Você não culpa quem precisa ser salvo. Você só vai lá e salva, depois tenta arrumar os machucados do ato heróico. Eis o problema, nunca fui heroica.
Eu fugi e fugi de todas as situações que me levassem a bater de frente com meus medos e fraquezas. Continuaria fugindo para proteger a impressão que tinham de você.  Enquanto achassem que estava tudo bem parecia que estava mesmo. Não estava. Não está. Fugir nunca funcionou de verdade, só deixou passar para olhos desatentos, nunca os seus.
Me perdoa criança por te por aí, está escuro e sei que está com medo. Eu não faria isso com mais ninguém, mas por que faço contigo?
Eu quero te salvar, mas para isso precise que coloque a mão para fora.
Eu bati a porta, eu te deixei aí. Mas a chave não está trancada mais. Será que consegue nos ajudar?
No fim espero que você se salve a si mesma e me salve no final. Não quero afogar de novo, mas será justo te pedir ar?
Que grandes palavras encorajadores eu estou te dando, mas a porta está aberta e há uma curta, frágil e delicada esperança nisso. Sério, ela é minima e não quero que crie tantas expectativas, mas quero que tenha fé. Esse seria meu maior presente para ti.
Acho, espero que as próximas nós sejam mais livres. Espero que ela seja mais leve, que flutue e você vendo ela flutuar nas águas consiga sair daí. Já sinto o sol no rosto, ele pode ser quente, vem aqui nos ver da janela.

 
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