São só algumas palavras desconexas (e no primeiro parágrafo eu já me critico antes que outro o faça), mas quero tentar. O doce conjunto de palavras foi a forma que encontrou para visualizar um mundo além da sua forte dor, foi o encanto pelo que elas podiam criar que te deu força muitas vezes, e você precisava dela, dessa forca extra e está tudo bem.
Recorro a elas para agora fazer isso novamente. Não como o bote salva vidas, mas para te tirar do barco no fundo do oceano que te prendi.
Eu lembro de você chorando no quarto sozinha. Não sei sua idade, nem a ordem cronológica de todas as vezes que vieram depois disso. Mas me lembro de todas as vezes ter medo dessa sensação. Não de o que me fez chorar, mas de ser fraca por me importar a ponto de chorar.
Então sim, recordo do quente das lágrimas sobre a colcha, da angústia da garganta fechando, de achar que não valia a pena continuar. E toda vez que penso nisso sinto o mesmo desespero forte, não pelo que estava sofrendo, que em cada fase se misturou em motivos que bloqueei, mas pelo sofrimento em si, de ser que nem elas.
Sempre achei essa minha maior fraqueza, o fato de sentir e ver e sentir novamente. Mas faz uma semana que a frase " a melancolia também pode ser bonita" fica vindo e voltando da minha cabeça. Eu sempre quis a beleza.
Óbvio que estou mexendo em um vespeiro de picadas doloridas, mas a necessidade de acreditar que o desconforto é passageiro novamente me consola.
Na realidade eu queria interferir no espaço tempo por um segundo e te pedir desculpas por todas as vezes que te cobrei demais, muito além do que conseguia lidar no momento.
Eu sei que a eu de daqui a alguns anos deve querer fazer isso também com essa que te escreve hoje. Mas um passo de cada vez criança.
Hoje eu queria ser piedosa contigo. E você vai odiar essa palavra mais que tudo, ela é metade dos seus problemas. Há uma camada inteira na máscara que veste apenas para proteger seu ego. Então você não quer piedade, mesmo que isso significasse que pegariam mais leve contigo. Você só acreditou por muito tempo que só seria mais fácil se gostassem e acreditassem no que viam. Mas sinta ela em toda essência, eu sinto muito por você.
Aí nesse segundo você colocou um ar auto suficiente no rosto e bradou a sete ventos "vejam, eu estou ótima, não há motivo para isso". Você não estava. Você não está.
Confessar isso ainda pesa. Mas fica mais fácil com o passar do tempo. Então é esse pequeno e leve e frágil "mais fácil" que gostaria que enxergasse.
Não é muita coisa, eu admito, mas alcancei algumas vitórias em te mostrar alguns segundos a luz do dia. Te protegi tanto e tantas vezes que você ficou ali presa, sozinha, assustada. O barco afundou, mas você estava segura no quarto.
Eu venho tentado mergulhar nesse oceano a algum tempo para te resgatar. Mas na verdade a falta de ar sempre me faz ficar na margem.
Se eu te tirar daí, será que estará inteira para nadar comigo? Será que vai apenas me afundar mais do que as bóias pesadas que carrego nos pés?
Metáforas também são melancólicas. Elas facilitam o que quero dizer que pela força prática e direta eu não saberia. Vamos tentar: doeu, doeu muito e agora eu não sei se quer o motivo de tantas dores e nisso eu te condenei com o veredito de sofrer por qualquer coisa.
Desculpe, desculpe, mais metáforas. Mas não há forma mais objetiva do que falar em julgamento nesse caso. Eu te julguei, condenei e te prendi.
Mas já são muitos anos e assassinos cruéis já estariam soltos nesse tempo, mas não você. Você ainda está no fundo do mar esperando ser solta, mas sem soltar um pio, é orgulhosa demais para pedir ajuda. E eu orgulhosa demais para te aceitar.
Hoje enquanto escrevia vejo que esse seu forte ímpeto de proteger sua imagem, sua vulnerabilidade, acabou por te tornar com ar arrogante. Adivinha o que acontece com pessoas assim? Mais solidão. Desculpe trazer mais críticas, é o costume.
Sabe qual a grande miséria de um auto crítico cruel consigo mesmo? Não há escapatória. Enquanto tento pegar mais leve e falar que está tudo bem ser como foi, em ter agido como ágil e vivido como viveu uma parte de mim berra que é uma grande balela. É parabéns, você está aí presa e agora vai acabar com todas nós.
É cruel. Você não culpa quem precisa ser salvo. Você só vai lá e salva, depois tenta arrumar os machucados do ato heróico. Eis o problema, nunca fui heroica.
Eu fugi e fugi de todas as situações que me levassem a bater de frente com meus medos e fraquezas. Continuaria fugindo para proteger a impressão que tinham de você. Enquanto achassem que estava tudo bem parecia que estava mesmo. Não estava. Não está. Fugir nunca funcionou de verdade, só deixou passar para olhos desatentos, nunca os seus.
Me perdoa criança por te por aí, está escuro e sei que está com medo. Eu não faria isso com mais ninguém, mas por que faço contigo?
Eu quero te salvar, mas para isso precise que coloque a mão para fora.
Eu bati a porta, eu te deixei aí. Mas a chave não está trancada mais. Será que consegue nos ajudar?
No fim espero que você se salve a si mesma e me salve no final. Não quero afogar de novo, mas será justo te pedir ar?
Que grandes palavras encorajadores eu estou te dando, mas a porta está aberta e há uma curta, frágil e delicada esperança nisso. Sério, ela é minima e não quero que crie tantas expectativas, mas quero que tenha fé. Esse seria meu maior presente para ti.
Acho, espero que as próximas nós sejam mais livres. Espero que ela seja mais leve, que flutue e você vendo ela flutuar nas águas consiga sair daí. Já sinto o sol no rosto, ele pode ser quente, vem aqui nos ver da janela.